quarta-feira, 15 de outubro de 2003

oumasvoltoO ANTÓNIO...



O telefone tocou cedo naquela manhã de Dezembro de 1997.
- Estou? - Perguntei ainda ensonado
- Zé Carlos? Responde uma voz feminina
- Sim...quem fala?
- Sou eu a Emí­lia
Era a pediatra da Marta, a minha filha, despertei de imediato.
- Bom Dia Dra., passa-se alguma coisa?
- Preciso falar consigo, pode passar aqui no Hospital da Marinha?
A Dra. Emí­lia é daquelas Médicas por vocação, tem um consultório, ou melhor dois, faz serviço na Associação dos empregados do Comércio, onde assistiu ao nascimento da Marta, no Hospital da Marinha e em mais 2 ou 3 clínicas, mas nos seus consultórios são mais as vezes em que as crianças não pagam do que aquelas em que pagam. No meio de tudo isto, a Dra. Emí­lia ainda tem tempo para fazer trabalho voluntário. A Dra. Emília é uma Grande Médica, mas acima de tudo uma grande Mulher.
Fui ter com ela ao Hospital da Marinha... Precisava da minha ajuda, estava um menino, com 10 anos, no Instituto de Oncologia, era Moçambicano e tinha uma paixão enorme pelo Benfica e pelo João Pinto, que na altura era o capitão do Benfica. A dra. Emí­lia pediu-me para lhe arranjar uma camisola autografada por ele para ela dar ao António, era assim que se chamava o menino, numa festinha que iam fazer antes do seu regresso a Moçambique. Dei a minha palavra que no dia da festa o António teria a sua camisola do Benfica.
Liguei ao João Pinto e contei-lhe a história, pedi-lhe a camisola e ele disse-me:
- Zé, eu vou lá contigo levar a camisola.
Não disse nada à Dra. Emí­lia, seria uma surpresa total. No dia da festinha, passei na Luz para ir buscar o João e lá fomos para o IPO. Confesso que sempre me arrepiei quando passava em Palhavã, aquele sentimento de medo, de terror direi mesmo, aquele edifício era para mim um local de morte, de sofrimento... Felizmente não é assim, é um local de esperança!
Escusado será dizer que quando o João Pinto entrou fui uma alegria para todas as crianças. Eu tinha levado uma Polaroid, o João teve que entrar em todos os quartos de isolamento para tirar fotos com as crianças que lá estavam. Os Pais afirmavam que aquela visita valia mais que 2 ou 3 tratamentos, os médicos confirmavam.
Eu entretanto fui falar com o António, ele tinha Leucemia, o cabelo ainda não tinha crescido, estava magro, mas dos seus olhos eradiava uma estranha luz, uma imensa alegria. Perguntei-lhe porque razão voltava para Moçambique, perguntei-lhe se já estava bom. O António, do alto dos seus 10 anos respondeu tranquilamente:
- Não, não estou bom, nem irei ficar bom. Vou voltar para Moçambique para morrer em casa ao pé dos meus pais e dos meus irmãos.
O António tinha 10 anos, sabia que ia morrer. Passei o resto da tarde a chorar no corredor da pediatria do IPO. Eu que lá tinha ido para ajudar aquelas crianças, aqueles pais, acabei por ser eu o confortado. A Leucemia do António fora detectada em adiantado estado, pouco ou nada havia a fazer. Nunca mais me esqueci do António nem dos outros Antónios...
É já tempo de cada um de nós contribuir para que o sofrimento destas crianças possa ser minimizado, possa ser ultrapassado. A Leucemia pode ser curada, nós todos podemos e devemos ajudar começando por preencher o formulário de dador!
Obrigado Ana por me ajudares a recordar o António!


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